Difícil. Minha vó, se ouvisse os 2, diria que o contra flow é cabeça, o tamojunto é coração. O primeiro tem as letras mais pungentes, sagazes, ácidas. o segundo tem a musicalidade evoluída e mais sentimento.
Contraflow é anárquico, atira pra vários lugares, é polêmico por natureza. Se max e pi chegarem ao mainstream, é um cd à ser regravado. Nas mãos de um rick bonadio, por exemplo, iria bombar, causar rebuliço na cena. tamojunto é mais pensado, estruturado, certeiro. é disco pronto, que tem tudo para ser descoberto.
Contraflow é mais rabugento, revoltado, hostil - e está ai a sua força. as melhores do disco são amor-te, vadia e pão duro. E são, justamente, críticas dilacerantes sobre arquetípicos do nosso dia-a-dia. são deboches irônicos, mas cantadas com força, deixando sérias algumas piadas. Se houvesse gênero, seriam comédias dramáticas. Tu é vagabundo, pagodeiro, a noite e na casa da vovó brisa são tiradas de insight. pegam um tema ou arquétipo e debocham sem medo. algo como um woody allem no início da carreira. Vê-se, no entanto, uma atenção desnivelada com a melodia, ancoradas pela rima incansável e talentosa da dupla. São as músicas "é muita bala no pente". já é osso e é bonito podem ser consideradas uma dupla, já que dialogam com a classe média, diretamente. completam o cd as biográficas e rabugentas contra flow e euquerobombar, além da despretensiosa e mediana seja feliz.
Imaginemos que contraflow tivesse bombado absurdamente e que max e pi nem pudessem tomar um sorvete no shopping de tanta maria-microfone em cima. eles estariam saturados da mídia e de hits polêmicos, noticiando que seu próximo álbum viria com algo mais tranqüilo, pensado, sentido, feito com calma e sem forçar a inspiração. mais experimental, romântico, nostálgico. aposto que se isso ocorresse, eles lançariam um disco muito semelhante à tamojunto. tirando a parte do shopping, foi o que aconteceu. já iniciando com a divertidíssima tamojunto, que tem um prólogo hilário, pra não dizer genial, eles dão a cara do disco.
Rimas que antes sobravam na métrica, agora cabem como uma luva nas fluentes e bem sacadas melodias. nota-se que a dupla se policiou quanto aos excessos. se eles traziam, por vezes, mensagens mais pulsantes e verborrágicas, deram lugar à musicalidade orgânica. resumindo, tamojunto é um cd gostoso de se ouvir, que flui no cérebro. é mais fácil de assimilar, porém não menos interessante e simbólico. pelo contrário. o gênero comédia dramática agora é representado pelas primorosas reclama, carro do papai e videogame. não por acaso, três das melhores. reclama é som pra ser hit. está no ponto. é a música que o gabriel pensador não fez que queria ter feito. merece ganhar um clipe e bombar na mtv, youtube e etc. videogame é uma das letras mais criativas da história da dupla, que consegue deixar a cansativa melodia com força até o final. não sei quanto a vocês, mas apesar do bom-humor utilizado, ela transmite um sentimento de melancolia nostálgica bastante aguçada. já carro do papai é uma pequena notável. é sincera e nada pedante, o que agrega valor. um fator curioso no disco é tratar do mesmo tema de parte do contraflow, porém com uma visão bastante distinta - a relação homem x mulher na adolescência. o sarcasmo deu lugar a declaração. definitivamente, músicas como você é demais, to solteiro e lembranças pelo ar, descem redondas demais à uma primeira escuta, pra que espera um rap que desça quadrado, arranhando a garganta. to solteiro é quase um pagode, você é demais é quase um powerpop, lembranças pelo ar é quase um emocore. parte dos fãs podem não gostar, mas a coragem pelo experimento fazem delas um trio de pérolas bastante plausível. como não poderiam faltar, há aqui duas letras biográficas - matheus e felipe e rapper nada. se a primeira ganha pela despretensão, a segunda cresce pela pretensão. é quase um grito de sobrevivência, carregado de raiva, com uma letra insípida e melodia marcante, que chega como uma porrada na cara, mas, no entanto, ironicamente, comove, pela honestidade do grito.
Trairagem parece um pouco isolada no disco. apesar de enérgica e compassada (rimas muito boas), é levemente frívola. coisa rara nas letras da dupla, soa pedante, e isso pode incomodar. outra que soa isolada é a sublime tábata. se havia alguma dúvida da genialidade de max e pi, está sanada após tábata. não digo que é a melhor do cd, mas sim a mais brilhante. um consciente (e quase erudito) ensaio sobre o amor por uma prostituta e pela maconha, num mesmo texto, sabiamente subliminado, com um refinado tom cômico, é coisa de compositor de ditadura, de quem tem o dom. genial. pode falar entra no tema biográfico mais turrão, e mesmo interessante, caberia mais em contraflow. completa o cd a descompromissada e hilária bota esse som pra tocar, uma música entorpecente - impossível de não querer ouvir de novo.
Legal acompanhar, também, as diferenças autorais de max e pi na hora de compor, ainda mais evidentes, e que deixam, no contraste, as músicas cada vez mais uniformes. max demonstra pensar melhor na rima, em achar as palavras certas sem ser óbvio, em completar uma linha de raciocínio, passa um quê de domínio do assunto, sendo mais robusto. pi demonstra ser mais repentista, improvisador, provocativo, brinca muito bem com o português e as frases de duplo sentido (seu ponto forte), suas rimas são mais difíceis de digerir, e mais vigorosas. reclama, carro do papai e lembranças pelo ar são bons exemplos pra ver as peculiaridades de cada um.
E acabo essa humilde resenha com duas das mais geniais frases já achadas numa letra de rap.
"ei pagodeiro, eu pego o seu cavaco, seguro ele bem forte e arrebento no seu saco!" FLYTER, Max.
"ei pagodeiro, eu quebro sua cuíca, e pára de fazer cover para puta rica!" PI, Mc.
respeitosamente,
graziano.
Um comentário:
Texto Foda pra caralho.
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