segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Max vs Pi - por Bruno Graziano

Max e Pi - Max vs Pi.zip


Max e Pi não decepcionam. Após o hilário e inconsequente "Isse é Mackenzie?", seguido do áspero e pulsante "Contra Flow", veio o reflexivo e romântico "Tamojnunto". Agora a melhor dupla de rap quase desconhecida do país se entregou ao experimento. O título é sugestivo - "Max vs Pi". Indícios de uma separação? Incompatibilidade de estilos? Não mesmo.

São três músicas solo de Max - "Faz Ter", uma cuspida de auto-promoção. Já é praxe nas letras do rapper um defesa do próprio talento. Se uns podem tachar como arrogância, eu tacho como convicção. É cada vez mais notório seu incômodo por não bombar na mídia. Sua necessidade interna de ser reconhecido como artista. Como músico. E se o mercado fonográfico não abraça suas músicas no imediatismo, ele continua rimando, cada vez mais pungente. "Ela" é nada mais, nada menos, que uma declaração apaixonada. Uma das marcas pitorescas de Flyther é o otimismo quanto ao romantismo. E nesse caso, ao contrário do tom reflexivo de suas letras no Tamojunto, percebe-se uma descrição atual do sentimento. Sorte da musa inspiradora, que ganhou uma homenagem sincera com o fervor do coração. Mas seria o verdadeiro Max Flyther se não houvesse ironia? "Vale a Pena" é a versão comédia romântica de "Ela", v oltando ao tom de crônica e motejo.

São três músicas solo de Pi - "Por um Triz", a mais melancólica já gravada pela dupla. Há nas músicas surgidas na fossa um quê de estorvo. Há o atrito de sinceridade plausível com uma hostilidade incômoda. Quem da nossa geração não se identifica com o tema citado? O fim tortuoso de um relacionamento. A angustia da saudade, da memória indigesta. Pi ganha pontos em não ter medo de fazer uma letra triste, mesmo negando isso. Segue a auto-promoção de Filipe "Póle". O rapper, ao contrário de seu parceiro, demonstra menos chateação com a falta de fama. Curta e grossa, é mais um grito de "foda-se" contra as críticas. Filipe se posiciona como um autor ríspido, magoado às ofensas terceiras, e que seguirá compondo e cantando enquanto houver o que falar. "Janto Bem" é um exemplar de seu ótimo cinismo, que se posiciona como um pessimista do amor. Não se conta mais em uma mão as letras dele atir ando sobre a mulher atual. No entanto, acha-se nas entrelinhas uma vontade de Pi em estar errado sobre o assunto. Só tem vagabunda no mundo, essa é sua verdade, e vamos se aproveitar disso, até queimarmos a língua. Tem que haver uma especial, uma que domine seu coração, mas enquanto esta não chegar, se é que ela existe, porque não calejar-se de libido com as descartáveis? Um cachorro romântico.

Completam o álbum mais sete faixas, estas coletivas. Se na musicalidade ainda existe uma falta de uniformidade (mesmo com surpresas agradáveis), nas letras temos uma consciência severa. Nostalgia alegre do que já foi, preocupação atroz do que virá, paralelismo de reflexão do que está sendo. No todo, há uma mescla impiedosa de otimismo e pessimismo. Ao ouvir o CD mais de quatro vezes, tive a sensação de que, na visão dos rappers, não poderá haver felicidade sem tristeza, e vice-e-versa. Não poderá haver ganhos sem dor. E há um mérito nessa constatação. Poderia classificar como maturidade, mas prefiro qualificar como plena noção do mundo. A anti-indulgente "Eu Sei", a brisante "Amanhã" e a prospectiva "Eu Não Paro Por Aqui" tratam-se de uma trilogia da incerteza. Imersos numa fase nova, a tão brutal entrada na vida adulta, gozaram nas letras uma inquietude ao que virá. E é esse o mote pri ncipal: creio este ser o CD da incerteza. As satíricas "Menina Gastosa", "Celebridade Instantânea" e "Da Boca Pra Fora" são filhas do "Contra Flow". Uma vez anárquicos, sempre anárquicos. Anarquismo sobre o ser-humano, sobre o dia-a-dia. Se não houvesse ao menos parte disso no CD, não seria Max e Pi. Ambos podem ser questionados quando adentram outros ritmos, outros assuntos, mas quando se trata crônicas, deboches, polêmicas, tem uma prudência rara. Carregam o tino pra coisa. São muito bons. Completa o CD o remix "Amo a Facul", versão brazuca de "I love college", do rapper Asher Roth.

Não saberia dizer se "Max vs Pi" é melhor ou pior que os antecessores. Digo que é um álbum necessário. A eternização de um momento único e feroz na vida da dupla e de muitos que devem se identificar. Rodrigo Amarante, um dos quatro integrantes do Los Hermanos, disse uma vez, ao receber um prêmio: "Agente se junta por afinidade, mas depois que agente se junta, a maior riqueza é a diferença que agente tem, o que cada um tem de diferente um do outro. E é olhando pra isso, que agente enriquece, e muda nosso ponto de vista, consegue conhecer o ponto de vista do outro. E ai passa a prestar atenção nas razões dos outros e não só nas atitudes dos outros."

Essa é a vibe do disco, ao meu ver.

Respeitosamente,

Bruno Graziano

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